Ricardo Valez

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2005

Tudo Muda - A Dália Amarela

Vim e voltei a lugares onde, outrora, havíamos estado
Porém as pedras não são as mesmas no chão de terra, gravilha e agulha de pinheiro
Assim como as pessoas que passam, vão e vêm, mas não chegam para voltar
Os bancos e as mesas estão gastos por nós e as marcas que lhes deixámos quase desaparecem como ar
Reanimo-as, dou-lhes vida e cor com a tinta de uma lágrima caída pelo repente de um chorar
Os pombos voaram para longe, para onde os meus olhos não podem chegar
Alma, só a minha
As árvores engrossaram e escureceram, pelo tempo consumidas
É mentira, mas assim é o que sinto por dentro
E só por dentro posso sentir
Os ventos sopram de trás para a frente
É verdade, mas quem lhe liga?!
Até a lua se mudou, deixando-se pendurada no espaço vazio
Vazio, só em mim
O Sol demora-se e a luz prolonga-se, agora, enquanto chaga a noite
Mas é falsa essa luz
Agora tudo é seco
Outrora, sobre nós, tudo choveu
Cheguei, lembrei e chovi dez almas da mente
Porquanto lembrei, mas mais: da alma senti
Só por dentro posso sentir
Sento-me, esqueço o quanto de mais há, porque nada há que seja mais
Alma, só a minha
Ganha força, agora, a Lua
O Sol esconde-se cada vez mais mas vejo-lhe, ainda, a sua luz
Mas é falsa essa luz
A noite aproxima-se enquanto escrevo
O vento sopra a brisa de Outono em pleno Verão
Sinto o arrepio no pescoço
Mas não és tu
O crepúsculo agora é doce
Tudo se desvanece em sombra e silêncio
A luz muda também, diminui, e assim também a sua cor
E tudo é vazio
Vazio, só em mim
Desaparece-me qualquer sombra de brilho
Mas não, nem faço distinção
Porque outrora vi
Agora cego
E sinto a falta da luz o teu brilhar
É real essa luz
Que mais poderia, eu, ver?!
Sentado vejo tudo mudar
O Sol fugiu-me e alto a Lua subiu
Em minutos as cores do dia são agora noite
A cor tornou-se uma e só, pela união da noite na ausência do Sol
Os meus olhos viram-se para fora de mim
Não enxergo para dentro
Olho e vejo que tudo mudou
A melodia que ouço e me faz relembrar, corrompe-se por sorte
Mas ouço, também como vejo, para fora e não para dentro
Olho o banco defronte a mim mas é vazio onde outrora fora cheio
Mas vazio, só em mim
De longe ouço nove badaladas
Os sinos vibram a sua melodia
A melodia é doce e reconforta-me a alma
Mas não és tu
Já só vejo a luz da Lua
Mas vejo só para fora
Mas é falsa essa luz
Luz, só em ti
Pois quando olho para dentro,
Que mais poderia, eu, ver?!
Porque, de facto, de fora tudo muda
As pedras no chão que pisámos unidos pela mão
As mesas onde nos havíamos sentado
As árvores, os ventos, as cores e a luz
O parque onde escrevo e o que escrevo também
Pois também o Sol e a Lua
E o quanto mais está fora de mim
Tanto eu também mudo
Meus cabelos não são os mesmos
As minhas mãos estão gastas e as marcas que deixaram escapam-me para as lembrar
Emoções voaram para longe, para onde a alma, busca mas, não pode chegar
A minha barba engrossou e escureceu, pelo tempo consumida
Lembro tudo de trás para a frente
Meu coração mudou, deixando-se pendurado no espaço vazio
Vazio que há em mim
A resposta demora-se e a saudade prolonga-se, enquanto chega a noite
Os meus lábios estão secos como folha de Outono que cai e sente pela Primavera que lhe foi
És a sua, minha Primavera
Outrora eram teus
Ri mas choro desalmadamente
Porquanto lembrei e senti
Levanto-me, esqueço tudo e lembro nada
Enquanto tudo muda, ganha força o sentimento
Só por dentro posso sentir
E escondes-te cada vez mais, mas vejo ainda, a tua luz
É real essa luz
Que mais poderia, eu, ver?!
Escrevo noites que passaram minhas e tuas, nossas
Solto, expiro o suspiro, bafo do Outono que sou pelo nosso Verão
Os meus olhos são amargo crepúsculo que arde luz que brilha em escuridão
São cor desvanecida em sombra
Diminui, muda assim também a sai luz
São todo um vazio
Vazio que há em mim
E no quanto mais está fora de mim
A minha memória é só sombra do quanto tu és
Mas não és tu
Porque outrora vi
Agora cego
Cego do quanto olho para fora
Só para dentro posso ver
Só por dentro posso sentir
E que tenho dentro?
Sim
É real essa luz
Que mais poderia, eu, ver?!
Impotente, olho os mares e os céus, olho o Sol e a Lua, olho o Verão e a o Inverno, a Primavera e o Outono, e tanto mais quanto não é mútuo, porém recíproco
Foges-me e alto sobe-me a saudade
Em tempos, poucos, breves, o meu arco-íris é agora treva e tenebrosidade
Consciente e inconscientemente deixamos de ser um só
Como que pela separação dos mares e dos céus, do Sol e da Lua, do Verão e do Inverno, do Outono e da Primavera, do fogo e da água
Mas não és tu
Somos nós
Recíprocos, agua e fogo
Não mútuos, mas dependentes
Essenciais como o Sol, inesquecíveis como a Lua
Porque, não é o Inverno jardineiro do Verão?!
Não é o Outono, mãe que padece morte por sua filha, Primavera?!
Recíprocos, dia e noite
Porque, o Sol, que reina o dia, dá vida mas consome na ausência da pausa noite onde reina a lua
Porém, também a lua é insuficiente e a noite inútil se por ventura não reciprocasse o Sol
Mas, tocam-se alguma vez?
Raro se mutuam ou simpatizam sintonia
Mas essenciais pela combinação que lhes há
Intensos como tais, inesquecíveis como quem, senão nós
Porque o fogo é chama de vida mas consome
A água, consome a sede da vida, mas é deserto no oceano e a sua essência dorme
Sou água e és fogo, és fogo e água
Sentado, lembro tudo quanto posso
Não é pouco o quanto posso lembrar
Porém lembro uma só emoção e sentido
Lembro tudo quanto não esqueci
Nada esqueci, e lembro como as letras que agora escrevo
Porém também a minha letra sofre mutação
Mas é ainda escrito pela mesma velha mão
Mas nada mais há que possa lembrar
Ano me há distracção
Sinto perder a minha atracção, porém
Não me roubes a minha vontade
Os meus olhos viram-se para dentro de mim
Que mais poderia, eu, ver?!
Se só para dentro posso ver?
Se só por dentro posso sentir?
Mas, que tenho dentro?
Alma, só a minha
Pelo vazio que há em mim
Vazio, só em mim
A melodia serve-me, por sorte, à minha escrita
Olha para o banco que me deixo viver, mas é vazio, de qualquer depósito, onde outrora fora cheio
É todo um vazio
E tudo é vazio
Apesar de longe, ouço ainda as badaladas do teu coração
É mentira, mas tal é o que sinto por dentro
O que sou vibra a minha melodia
A melodia é doce, reconforta-me a alma
Alivia a saudade e incendeia esta luz
Mas não és tu
E é falsa essa luz
Espelho, reflexo do quanto, lembro, me resta
És tanto quanto me resta
É verdade mas quem lhe liga?!
Vejo só a tua luz
Vejo só para dentro
É real essa luz
E luz, só em ti
Mas espelho, reflexo
Porque és estrela, mas cadente, caída do meu, nosso universo
Tenho só o rasto que deixas na tua queda ou ascensão
Este, prolongado deste a alma ao coração
E o quanto mais está dentro de mim
Caído, eu, da tua mão, tento esquecer a amarga saudade
Nuvem negra tempestuosa sobre terra de infertilidade
Mas não tenho mais o que lembrar
Pois é tua a minha memória
Não lembro o pôr-do-Sol porque se deitava a trás de ti
Não lembro a chuva porque chovia sobre ti
Não lembro a terra porque pisada por ti
Não lembro o fogo porque ardias já só por ti
Não lembro nem o cantar da natureza, abafado pelo teu sorrir
Não lembro o vento pelo teu fôlego, teu respirar
Não lembro as estrelas porque me olhavas durante o luar
Não lembro nada porque só a ti posso lembrar
Porque és todas as minhas memórias
E tanto mais quanto há em mim
Porquanto nada mais há
Porque se me sopra a brisa, sinto o teu resfolgar nos meus lábios
Na tempestade, cada ribombar do trovão, sinto bater, sobre o meu, o teu coração
Tal a rocha pelo mar, e o mar pelo vento, e o vento pelos céus, e os céus pelas estrelas, pois as quais pelo universo, meu e nosso universo
Se me brilha o Sol. Ou me seduz a Lua cheia, sou reflexo do teu profundo olhar
Se me chove sobre a face, são mil lágrimas de um só chorar
Se me canta a sinfonia orquestrada num coro de vozes sem conto da natureza, é, por tanto, uma só palavra do teu falar
Se me deixo cair por sono, é por ti o meu sonhar
Se me foge o fôlego, é por ti o meu respirar.
Se por vida não me deixo morrer, é por ti este salvo ser.