Ricardo Valez

quarta-feira, 14 de setembro de 2005

O Mar Que Não Chega

Quem espera pelo mar que não chega? Ou quem dorme pelo sonho que não desperta? Quem, ousa, anseia pela voz que não canta a melodia esquecida por sonhos que embalam cada onda deste mar? Mas pior pois quem deixa de esperar e esquece qualquer sentido de viver se por viver o fizer só por respirar. O mar que não chega é o sonho que não desperta e a voz que não se faz soar, é mais que a morte de qualquer corpo e carne, é mais que a mágoa de não haver mar, sonho, canção ou esperança, é amor senão por morte inconsumpta, é tudo isto, é saudade, é solidão, é esperança, é solidão por esperança, é esquecer o resto para lembrar-me de ti, é viver e sofrer sem fôlego por não te ter, é sem fôlego querer viver se por viver te puder lembrar... não me contento com pouco mas a mais pequena memória de ti é já por si tanto e no entanto tão pouco, bate o coração, tanto e tão, a lembrança é tanto e tão pouco, basta para querer viver mas não chega para sobreviver se por viver não o fizer só por respirar porque não vivo por pulmão e deste tenho dois, coração tenho um e não o controlo nem o tenho na mão, não é meu, já não é meu, se o foi ou se o tive não me foi feito senão para ti, para te amar. E se grande é a memória, quão mais o mar que não chega? Quão mais? Não anseio mas espero e sei que em vão. Espero porque maior foi este amor e de tal maneira maior que nada o podia consumir, nem o céu e nem as estrelas, porque assim como o fogo consome a lenha que arde e nada lhe deixa senão a cinza e a fuligem, e a água que consome o fogo sob chuva que se faz descer, pois também ela sem razão para a destruição da flama que arde, mata e vive para dar a viver, deixando-lhe nada senão fumo e mais fumo, este tão grande e maior que consumia ou consumiu água e fogo, céu e estrelas, mar e chão, a chama e a visão, porque não lembro o contemplar de constelação ou luar e a cortina que corre a vida, porque a água é a sede de vida e o fogo arde a paixão por viver (nar e nen – narnen), porque a vida é feita de opostos pólos que se reciprocam e, que se contradizem e completam. Porque a vivi por este amor mas não lembro água ou fogo de nada senão de ti porque eras tu esse amor, porque o fogo nada é se nada tiver para consumir e nem a água se nada tiver por sede a saciar, e disto sou a água e fogo por ti, porque nada sou ou tenho se por ti não puder arder nem te saciar.
Quem corre e luta contra a corrente? Desta, quem espera poder ganhar? Quem sopra contra o vento? E quem brilha contra o sol? Não corro, não espero, não sopro e nem brilho! Deixo e não faço por lutar. Paro... vivo... respiro... Vivo só por respirar. Sem o mar que não me chega não sei de que outra maneira posso fazer sentido ou lógica ou qualquer razão. Mas, afinal, qual o tolo que por razão ou lógica corre contra a corrente e desta espera ganhar? Qual o tolo que sopra contra o vento e brilha contra o sol? Mas se sou ou fui por lógica não vivo por razão ainda que se por lógica houvesse somente a razão, porque não encontro, nem na queda mas suposta elevação do que agora vejo apenas pelo quebrado espelho deste ser, qualquer sentido ou vazão de coerência. Procurei sem encontrar para saber que não há sentido em sentir amor – sente-se apenas como se vive – ama-se... respirar... somente... parar mas ser, ser tudo quando tudo é nada, ser mais quando mais é menos, ser muito enquanto muito é tão pouco, ser quando por ser não se é. Porque nisto não há sentido, lógica ou razão, porque em sentir, assim, esquecer passada sabedoria e todo o conhecer, por um só sentir e o sangrar de um coração, pois assim se abrem os céus para engolir o senso comum como se abriram os braços da minha alma que, sem razão ou forma de ser, abraçaram-te como se nada mais tivessem, porque nada mais queriam, porque tudo era-lhes nada e por nada eras-lhes tudo.
Ah, que mágoa esta que ainda chora pelo que lhe mata? Que sentimento este que corrobora o mundo emocional e deixa o abstracto para destruir o que me era concreto, para destruir a minha mente? Que fenómeno este que não posso compreender porquê ou por que razão? Mas... escusar-me-ia relembrar que nisto não há razão, nisto não há nem razão...?! Nisto?!
Se falo, digo ou escrevo faço-o só por uma alma que não pode mentir, porque a mentira esconde-se de ser mostrar para que não seja achada por aquilo que é. Por isto mostro aquilo que sinto por aquilo que te escrevo para que seja achado somente pelo que é: por verdade. Por te conhecer esqueci o paladar, a visão e o tacto, esqueci a audição e também o olfacto. Pois de que me serve lembrar ou saber o que não preciso?! Irei eu lembrar Orion durante o Verão ou no Inverno o escorpião?! Ou deixarei o sol enquanto as estrelas e a lua durarem por seu brilhar?! Pois esqueci estes sentidos porque lembrava apenas o coração, o meu e o teu coração. Perdi o sentido da minha visão porque não lhe precisava para te ver, apenas me bastava sentir, bastava-me apenas olhar e, cego, saber que visão é só ilusão, mas porém poder sentir, e como te pude sentir marcou chaga que se recusa a cicatrizar e sangra como forte fonte que brota morte e vida num só chorar, num chorar de lágrimas eternas até que se me desfaleça o espírito que por ti se foi apaixonar.
E se por sentido tomar também a memória? Ora haveria aqui um que me serviria pela sua função porque lembro cada peça deste puzzle sem saber, no fundo, a imagem que ele é. Porque sendo tórpido não lembro o teu toque mas lembro o teu tocar, porque sendo surdo não lembro a tua voz mas lembro sim o teu dizer e o teu falar, porque sendo cego, ainda que sabendo da sua beleza, não lembro os teus olhos mas lembro sempre o teu olhar, porque sendo insonso o meu paladar não lembro o teu sabor mas lembro, oh pois se lembro, o teu beijar. Oh, doce beijar! Onde foste e porque foste? Não espero resposta, apenas devaneio, eu, sob a saudade que me consome e ofusca a alma e a mente, porque maior é o amor que desafia a mente e a emoção, porque um é lógico e o outro não, um segue a alma e o outro a razão, mas nem já na mente há ordem ou sentido; é entropia se caos for o teu amor, porque nem na mente tenho razão... apenas deixo, paro, vivo, respiro e sou – bate o coração; uma vez mais – vivo, sustenho o fôlego e penso no que sou. Ah, se sou imagino que seja por contradição e tudo sem razão... incompleto até que pereça o espírito que por ti se apaixonou.
Contradição?! Como posso eu sentir saudade da minha morte se vivo ainda pelo seu funeral? E como posso eu, sequer, viver se por morte tomo o meu respirar? E não mais tenho inspiração porque ainda me és, mas sim és porque tenho ainda inspiração. Do fôlego de vida que me resta, detesto saber que não és mais o meu inspirar mas somente o expirar, o expirar de toda a mágoa de que sou agora feito, a mágoa que me cobre tal o véu do meu luto, mas é luto que me cobre como a noite cobre o céu, pois apesar de não ser por morte é por vida mas sombria e obscura como a noite o é e o pouco que lhe ilumina é o forte brilhar das estrelas e da lua talvez, mas sempre do brilho do teu olhar. Mas qual o tolo que na escuridão não olha para a lua como vaso de esperança assim como eu te olhei e não quis deixar de olhar? Qual o tolo que por te ter desejar algo mais, pois se tudo é nada mas por nada és tudo? O véu do luto que me cobre não cobre pois por morte porque a alma só morre quando nada tem por que chorar e por isto choro porque vivo, mas se vivo por coração e não o tenho, o teu e nem o meu, morro... mas ou morro ou vivo... ah, não perguntes porque não sei responder e o que sei já não me faz sentido quando tudo o que sei és tu.
Quem caminha pela estrada que se desfaz de qualquer destino? Quem imagina e sonha mentira se vive e sofre pela verdade? Quem sonha enquanto dorme e sufoca por viver o pesadelo? Quem deixa de ser tudo para se tornar nada e por nada tornar-se tudo? Porque esqueci e deixei de ser o que era para ser só por ti e do nada tornei-me tudo por ti enquanto te tornavas tudo para mim, e os céus e os cantares e os dias que nos envolveram e o berço que nos unia foram-me esquecidos de toda a minha visão para lembrar cada sentimento e cada emoção por ti, e agora pago a minha sentença e sofro e choro e morro e sangro até ao último fôlego meu. Agora, depois de tudo, se me julgasse aos portões da minha sentença, ditaria as minhas últimas palavras: não guardo qualquer rancor, antes até pelo contrário, não guardo qualquer violação, não guardo nada senão a saudade, a mágoa e o amor. Arrependimentos? não tenho, e antes até pelo contrário... levar-me-iam ao passado e levar-me-ia eu de novo a tanto do que fiz, não porque o passado e o futuro nascem ambos do mesmo ventre mas porque a alma só morre se não tiver por que chorar, se não tiver por quem chorar, porque por ti a lógica tornou-se irracional e porque apesar de poucos os dias que nos foram, contigo vivi e senti mais que em todo o resto que me poderia haver, porque só por amar vale a pena poder chorar, só por amar vale a pena poder viver.